Teatro de rua
O teatro de rua, uma das manifestações mais antigas de cultura popular, traz na bagagem séculos de histórias e influências que vão dos folguedos do Nordeste às máscaras dos espetáculos medievais.
É permitido comer e beber durante o espetáculo, dá para sair no meio e até para contracenar com os atores. Só não vale achar que teatro de rua é menos teatro só porque à primeira vista pode parecer pouco planejado. Pelo contrário. São séculos e séculos de tradição nessa que é uma das mais antigas manifestações populares. (Não acho que seja assim tão antiga, pelo menos não como gênero teatral realmente. E lá embaixo, inclusive, ele fala que aqui no Brasil o primeiro registro data do ano de 1946). O próprio teatro originou-se na rua, ou quase isso. “O surgimento do teatro se dá no espaço público”, explica o professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Campinas (Unicamp), Rubens José Souza Brito, participante do Três Vezes Rua, evento que reuniu debates, aulas-espetáculo e oficinas como parte do projeto Reflexos de Cenas, do Sesc Consolação. “Não podemos falar exatamente em rua (Nossa, nem rua tinha?), que ainda não existia; sem dúvida, ele nasceu no seio da comunidade, antes mesmo do estabelecimento do teatro grego (O teatro grego não foi o primeiro?). Mas é como a história do leite: a criança que nasce e cresce na capital acha que ele vem da caixinha.”
O conceito de teatro de rua como o conhecemos hoje, é marcado por uma intenção explícita de criar encenações para ser apresentadas no espaço público. Essa é sua principal característica. “Acabamos encontrando vida eterna no teatro que se faz nas ruas ou em qualquer outro lugar onde a platéia seja formada pela diversidade humana, sem as divisões que a estratificação social quer ter”, comenta o encenador Amir Haddad. (Esse é um ponto importante do Teatro de rua, pois ele alcança uma variedade de gente que as grandes casas de espetáculos não conseguem chegar nem perto. Qualquer passante na rua pode se interessar por aquela apresentação e parar para assistir). “É o antigo mundo novo revisitado. O melhor ator dos palcos pode quebrar – e quebra – a cara na rua. Assim como o cenógrafo e o dramaturgo”, conclui. Ao longo da história, com o surgimento do que os especialistas chamam de edifícios teatrais – ou seja, as casas de espetáculos, das mais variadas formas e tamanhos –, a rua consolidou-se como uma escolha, e não necessariamente uma ausência de alternativa, como muitos podem pensar. “O compromisso que a gente tem com o teatro de rua não é uma falta de opção, muito pelo contrário”, afirma o ator e diretor João Carlos Andreazza, ex-integrante do grupo de teatro Fora do Sério. (Concordo, realmente é “muito pelo contrário”. Quem faz Teatro de rua tem outro tipo de linguagem e abordagem, incomuns nos teatros tradicionais. Os artistas querem esse contato direto com o público, uma maior interação que normalmente não acontece em espetáculos fechados).
Celeiro nordestino
O primeiro registro de teatro de rua contemporâneo no Brasil data de 1946, uma iniciativa que envolveu nomes como Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna. A partir desse momento, a história de tal manifestação encontra parada obrigatória também em 1961, com a criação do Movimento de Cultura Popular (MPC), em Pernambuco – por Paulo Freire e o próprio Suassuna, entre outros –, e pelo surgimento, no mesmo ano, do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, capitaneado por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha. Além destes, há o aparecimento do Grupo Tá na Rua (durante uma apresentação desse grupo numa favela no Rio de Janeiro, uma mulher da comunidade, totalmente fora dos padrões de beleza, tentou dar um beijo em um dos atores do Grupo. O ator retribuiu o beijo sem pestanejar, o que reafirma o Teatro de rua como uma arte que interage e que não tem preconceitos) de Amir Haddad, e do Ventoforte, de Ilo Krugli, em 1974, também no Rio – o grupo de Ilo Krugli se mudaria, em 1981, para São Paulo, onde está até hoje –, e a criação, em 1976, do Grupo de Teatro Mambembe, numa iniciativa do Sesc São Paulo, por meio da unidade Consolação, com direção de Carlos Alberto Soffredini. Esse trabalho demandou oito meses de pesquisa em fontes fundamentais para o teatro de rua, com destaque para o circo-teatro – formado por companhias de artistas autodidatas que percorriam a periferia das grandes cidades em pavilhões de lona – e culminou na superprodução Dom Quixote de
Todas as linguagens
Entre as influências na estética do teatro de rua, além da já citada commedia dell’arte, é forte a presença da exuberância visual do circo tradicional e a incomparável habilidade de comunicação de manifestações populares como o maracatu – folguedo nordestino, sobretudo da região de Pernambuco. “É possível usar várias formas de linguagem no teatro de rua”, explica o ator e diretor João Carlos Andreazza. (Não há palco, é tudo feito no nível do chão mesmo, o cenário também é praticamente inexistente. Isso acaba dando mais liberdade dentro do texto, até porque o público é diferente de uma apresentação para outra, então haverá reações e participações diferentes e isso afeta também na atuação do ator. O improviso quase sempre enriquece a apresentação). “A da commedia dell’arte, por exemplo, é interessante porque o figurino e as máscaras identificam rapidamente para o público passante o tipo de personagem que está sendo desenvolvido durante a encenação. O que é muito importante, uma vez que no teatro de rua o público não necessariamente acompanha a peça toda”. (Você entra e sai do espetáculo a hora que quiser - o público é um pouco do elenco também. Por um lado, a pessoa pode chegar no meio da apresentação e mesmo assim começar a assistir a partir dali; por outro, a maioria dos passantes não têm muito tempo para assistir a tudo. Às vezes você vai embora mesmo querendo muito ter ficado. Talvez seja uma pequena desvantagem do Teatro de rua, ele lhe pega de surpresa e você não reservou um tempo pra curtir aquilo). Andreazza explica ainda que outra particularidade do gênero é o uso de códigos não verbais. Por exemplo: gestos da mímica no lugar de palavras e até as circenses pernas-de-pau (quem sempre quis brincar com uma dessas e testar o próprio equilíbrio levanta a mão!), que servem para fazer a personagem crescer em cena, literalmente. “Essas linguagens são muito atrativas para o público e importantes para o ator de rua”, afirma.
O professor Rubens José Souza Brito acrescenta que o figurino também merece atenção especial. “As cores, o tecido, tudo é importante”, explica. “E isso é bebido também nas fontes de vários eventos da cultura popular. Por exemplo, o vilão entra de preto, a mocinha de cor-de-rosa, a ‘mãezona’ popular entra com vestido de chita todo colorido.” (O figurino e a maquiagem precisam ser bem pensados justamente pela simplicidade ou inexistência de cenário na peça, então são as únicas “ajudas” que o ator vai ter em sua interpretação).
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