Teatro do Oprimido
Quando Augusto Boal resolveu adaptar para o teatro o apelo de Marx, sugerindo que era tempo dos oprimidos se apropriarem dos meios de produção teatral - ou seja, de deixarem de ser espectadores passivos para assumirem a sua condição de atores - não imaginava talvez que esse seria apenas o primeiro passo de uma longa história que juntaria teatro e política. Uma história que continua, que reuniu 12 mil indianos numa marcha pelo país (para fundar a Federação de Teatro do Oprimido) (O grupo Jana Sanskriti de Teatro do Oprimido encaminhou para o CTO a denúncia de um massacre de cerca de 35 camponeses,
(O Teatro do Oprimido é um gênero próximo do universal, pois pode ser realizado em culturas totalmente diferentes, já que em todos os lugares existem pessoas e existe opressão. Já existem grupos em quase toda a Europa, no Japão, na China, na África e na Coréia).
Mas afinal que história é essa? E por que mobiliza hoje o Teatro do Oprimido (TO) (Tocantins!) umas dezenas de milhar de pessoas em mais de 70 países? A idéia central é simples: aquilo que existe é apenas uma possibilidade, a realidade deve estar sempre aberta a interrogação e mudança e, por isso, podemos usar a linguagem teatral - a capacidade de nos observarmos em ação - para encenarmos episódios da nossa vida e ensaiarmos finais diferentes para as histórias de opressão. (Nas palavras do próprio idealizador: “Teatro do Oprimido é um teatro sem dogmas e realizado por meio de um conjunto de exercícios que ensinam o ser humano a utilizar uma ferramenta que ele já possui e não sabe. O homem traz esta característica teatral dentro de si. O que este tipo de teatro faz é liberar esta capacidade e ensinar à pessoa como dominá-la.”).
Foi na década de 1970 que se começou a superar o teatro político pelo entendimento do teatro como uma das formas possíveis de fazer política. Ou seja, a substituir um teatro de propaganda revolucionária feita para o povo, por um teatro emancipatório feito pelo povo. O TO entende que não basta promover o acesso a peças feitas por profissionais, porque o importante é permitir que toda a gente possua os meios de dramatização da sua própria realidade. O teatro político não é aquele que impinge soluções determinadas por outros, mas o que dá às pessoas o protagonismo de ensaiar e escolher as soluções que fazem sentido para a sua vida.
Como é que isto se faz? Permitindo a todos que se exprimam através do teatro - "toda a gente pode fazer teatro, até mesmo os atores!" (Todo ser humano É teatro. E todos podem fazer teatro, até porque no nosso dia-a-dia utilizamos a mesma linguagem utilizada no teatro: a voz, o corpo e as expressões traduzindo idéias, emoções e desejos) -, levando a representação para o espaço público - "o teatro pode ser feito em todos os lugares, até mesmo nos teatros!" - e transformando o público em "espect-actores" que participam diretamente na cena para a mudar. Num espetáculo de teatro-fórum, o público não deve bater palmas no fim, mas invadir o palco para transformar a história.
Nos anos 90, Boal foi eleito vereador no Rio de Janeiro e um novo passo foi dado: por que não utilizar o teatro-fórum para transformar o próprio cidadão em legislador? Assim nasceu o teatro-legislativo: a equipa parlamentar era formada por animadores que dinamizavam, em grupos e associações, sessões de teatro-fórum. Aí se encenavam os problemas concretos vividos e se propunham formas de eles serem resolvidos: através da ação direta na situação, mas também da mudança das leis. O mandato podia então ser devolvido às pessoas: ser revolucionário era mudar a relação dos cidadãos com a política, promovendo a apropriação do poder pelo povo. Assim se combinava organização à volta de assuntos específicos (empregadas domésticas, estudantes, imigrantes, sindicalistas, homossexuais, camponeses, etc.), democracia cultural, ação direta e produção legislativa a partir das soluções propostas nos espetáculos de teatro. (Quase sempre presenciamos situações de opressão e não fazemos nada acerca disso, muitas vezes nem discutindo e quase nunca resolvendo realmente o problema. Isso tudo prejudica o exercício da cidadania e uma menor participação de todos no sistema democrático. O teatro do oprimido não tem uma mensagem específica. Sua preocupação é promover a participação popular nas discussões e nas mudanças.).
Hoje, o Teatro do Oprimido é usado em diferentes contextos: em hospitais, escolas, centros sociais, associações de bairros, ONGS, Grupos artísticos, bairros, comunidades... E vai promovendo a mudança e a discussão sobre os problemas. (O Teatro do Oprimido está também presente nas prisões. São promovidas oficinas teatrais para que os internos e profissionais teatralizem os problemas que vivem no sistema. Essas produções são apresentadas ao público dentro e fora das prisões. Assim, presos e profissionais do sistema penitenciário percebem novas visões que os ajuda a reavaliar seus papéis dentro daquela estrutura, avaliar a realidade de outro ângulo e saberem melhor o que desejam e o que pretendem no futuro.).
Se é difícil entusiasmar as pessoas pela política quando ela é monopolizada por profissionais de promessas e bastidores - a política como teatro - podemos talvez fazer o contrário: recuperar o gosto da política como discussão e ação coletiva, usar a palavra e o corpo - o teatro como política.
Texto extraído daqui.
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